quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

FELICIDADE, UM BICHO DE SETE CABEÇAS?

Li, certa vez, em uma revista, um artigo escrito por um pastor que contava sobre um mendigo que costumava visitá-lo em sua igreja, e que gostava de discutir sobre o que ele, o mendigo, costumava chamar de temas filosóficos. Pedia ao pastor uma xícara com água quente, pois sempre trazia consigo seu próprio sache e, depois, deslanchava suas filosofias.  Uma vez o tema proposto pelo mendigo era a felicidade: O que é felicidade? Perguntou ele ao pastor,  direto e sem rodeios. O pastor organizou por alguns segundos seus pensamentos e disse: para muitas pessoas felicidade significa ter o suficiente para comer, um lugar aquecido para dormir, boa saúde e dinheiro suficiente para as necessidades básicas da vida... Quando o pastor ia começar a falar sobre questões espirituais, o mendigo  interrompeu-o e  disse:  Por que é, então, que as pessoas desejam muito mais do que isso? Por que elas não são felizes apesar de suas casas luxuosas, carros, viagens, dinheiro no banco, férias em lugares diferentes todo o ano?  Essas são necessidades básicas da vida? Em seguida o mendigo acrescentou: Eu, pessoalmente, sou muito feliz, embora não tenha nada e nunca tenha procurado a felicidade. Eu não gostaria de ser rico, ou de ter mais dinheiro, frisou ele. Eu nem mesmo gostaria de ter um lugar para dormir hoje à noite. Eu serei feliz enquanto eu puder caminhar e respirar, enquanto eu for livre.   Contou o pastor que esse fato o fez lembrar de um quadro que uma vez ele havia visto: era um quadro de um homem sentado em um banco de praça com uma borboleta pousada em seu ombro. Na base do quadro estava a seguinte inscrição: A felicidade é como a borboleta, se você tentar pegá-la, ela irá fugir. Mas, se você não prestar atenção a ela, e seguir enfrente com sua vida, talvez ela pouse em seu ombro.   Muitas vezes, não nos damos o direito de ser feliz e culpamos as circunstâncias da vida, as dificuldades econômicas, os fenômenos meteorológicos, as catástrofes, desastres, acidentes, estresse e tantas outras coisas encontradas em nosso dia-a-dia. Seriam essas coisas, por si só, fatores definitivos para que não sejamos felizes de forma alguma? Há um aspecto de suma importância na construção de nossa felicidade: a união perfeita da criança que fomos e que permanece viva em nós com o adulto que somos.  Se essa associação for positiva, se esses dois aspectos de nossas vidas estiverem conectados, teremos, então, a sensação de paz e equilíbrio. Quando isso não acontece sentimos medo e insegurança, não estamos inteiros, nos sentimos conflitados e experimentamos a solidão e a tristeza. Mas, será que quem teve uma infância infeliz, estaria definitivamente condenado a infelicidade? Absolutamente, o desafio do adulto é compreender a necessidade dessa união e sarar a criança que há dentro de si. A criança é a emoção, o adulto a razão. A criança carrega consigo o peso das crenças erradas que lhes foram imputadas pelos pais, o meio, a escola e ajudaram a transformá-la, mais tarde, em um adulto infeliz. Crenças como: não responda a um adulto. Seja bonzinho. Não discuta. Não argumente. Nunca diga não. Seja obediente. Não fale das suas coisas interiores. Não confie em ninguém. Você não sabe o que é melhor para você. Seja forte. Não chore.  E quando nos tornamos adultos, inconscientemente, repetimos esses erros e dizemos: Não tenho nenhum valor, tudo que eu faço é errado. Como posso ser feliz se tem tanta gente infeliz. Isso seria egoísmo. Não tenho esse direito. Tenho que ser bonzinho e obedecer sempre. Não tenho direito de reivindicar nada. Não sei lidar com a dor, a rejeição, a solidão. Os outros não me deixam ser feliz - Descobrir o nosso valor e resgatar nossa autoestima são condições indispensáveis para uma mente saudável. Quando sentimos que temos valor, aprendemos a dar importância a nossa vida e a cuidar da nossa felicidade. Talvez o mendigo da história acima, apesar de sua condição de miserabilidade, nos dê um testemunho claro de que nossa dificuldade em ser feliz, está muito mais ligada à criança perdida dentro de nós, do que com o fato de termos de enfrentar alguns transtornos inevitáveis que a vida nos impõe. Não se dar o direito de ser feliz está ligado, também, a crença de que somos seres de segunda classe, conceitos muitas vezes incutidos em nossas mentes de criança pela religião, que nos relegou o papel de reles pecadores e nos fez bater no peito proclamando nossa culpa (mea culpa) por algo que nem sequer compreendíamos e continuamos a não compreender. As coisas que nos trazem mais prazer estiveram, de certa forma, sempre relacionadas ao pecado. O vazio e a solidão deixados em nossa infância tendem a nos tornar adultos compulsivos, a nos jogar no vício, na busca desesperada para preencher esse vazio. E, mesmo quando reconhecemos nossas mazelas, ajudados pelo conhecimento intelectual adquirido, nem sempre conseguimos curá-las e continuamos a sabotar nossos próprios desejos de forma muitas vezes inconsciente.  A luta para conquistar coisas e o prazer que tiramos disso, se dá pelo fato de que estas conquistas, na verdade, são conquistas internas. São mais o resultado de verdadeiras batalhas que travamos dentro de nós mesmos em busca da cura psicológica, do que por feitos externos. O medo de ser feliz tende a ser bem mais forte que o desejo de sê-lo. A cura é sempre um processo lento, que, muitas vezes, não alcançamos sozinhos.  Por isso enfiamos a cara no trabalho e temos cada vez menos tempo para nós. É uma forma de não termos de ver quem realmente somos e de não reconhecermos essa criança assustada dentro de nós. Não existem formulas mágicas para curar essas feridas. Mas, é preciso reconhecer nossa condição humana, de seres que caminham sem ter, no entanto, muita certeza de onde estão pisando. Valorizar a criança interior é o grande início para se colher dias melhores. Descobrir onde, como e porque nossas pequenas asas foram cortadas, ajuda a nos tornarmos inteiros novamente.  A felicidade não se esconde em algum lugar do futuro entre bens de consumo de toda ordem. O mais das vezes, para encontrá-la, só precisamos adotar novamente aquela criança que ficou perdida lá no passado e ela mesma se encarregará de nos mostrar o caminho. 






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