Li, certa vez, em uma revista, um artigo
escrito por um pastor que contava sobre um mendigo que costumava visitá-lo em
sua igreja, e que gostava de discutir sobre o que ele, o mendigo, costumava
chamar de temas filosóficos. Pedia ao pastor uma xícara com água quente, pois
sempre trazia consigo seu próprio sache e, depois, deslanchava suas filosofias. Uma vez o tema proposto pelo mendigo era a felicidade:
O que é felicidade? Perguntou ele ao pastor,
direto e sem rodeios. O pastor organizou por alguns segundos seus
pensamentos e disse: para muitas pessoas felicidade significa ter o suficiente
para comer, um lugar aquecido para dormir, boa saúde e dinheiro suficiente para
as necessidades básicas da vida... Quando o pastor ia começar a falar sobre
questões espirituais, o mendigo
interrompeu-o e disse: Por que é, então, que as pessoas desejam muito
mais do que isso? Por que elas não são felizes apesar de suas casas luxuosas,
carros, viagens, dinheiro no banco, férias em lugares diferentes todo o
ano? Essas são necessidades básicas da
vida? Em seguida o mendigo acrescentou: Eu, pessoalmente, sou muito feliz, embora
não tenha nada e nunca tenha procurado a felicidade. Eu não gostaria de ser
rico, ou de ter mais dinheiro, frisou ele. Eu nem mesmo gostaria de ter um
lugar para dormir hoje à noite. Eu serei feliz enquanto eu puder caminhar e
respirar, enquanto eu for livre. Contou o pastor que esse fato o fez lembrar de
um quadro que uma vez ele havia visto: era um quadro de um homem sentado em um
banco de praça com uma borboleta pousada em seu ombro. Na base do quadro estava
a seguinte inscrição: A felicidade é como a borboleta, se você tentar pegá-la,
ela irá fugir. Mas, se você não prestar atenção a ela, e seguir enfrente com
sua vida, talvez ela pouse em seu ombro.
Muitas vezes, não nos damos o direito de ser feliz e culpamos as
circunstâncias da vida, as dificuldades econômicas, os fenômenos
meteorológicos, as catástrofes, desastres, acidentes, estresse e tantas outras
coisas encontradas em nosso dia-a-dia. Seriam essas coisas, por si só, fatores
definitivos para que não sejamos felizes de forma alguma? Há um aspecto de suma importância na construção de nossa felicidade: a união
perfeita da criança que fomos e que permanece viva em nós com o adulto que
somos. Se essa associação for positiva,
se esses dois aspectos de nossas vidas estiverem conectados, teremos, então, a
sensação de paz e equilíbrio. Quando isso não acontece sentimos medo e
insegurança, não estamos inteiros, nos sentimos conflitados e experimentamos a
solidão e a tristeza. Mas, será que quem teve uma infância infeliz, estaria
definitivamente condenado a infelicidade? Absolutamente, o desafio do adulto é
compreender a necessidade dessa união e sarar a criança que há dentro de si. A
criança é a emoção, o adulto a razão. A criança carrega consigo o peso das
crenças erradas que lhes foram imputadas pelos pais, o meio, a escola e ajudaram
a transformá-la, mais tarde, em um adulto infeliz. Crenças como: não responda a
um adulto. Seja bonzinho. Não discuta. Não argumente. Nunca diga não. Seja
obediente. Não fale das suas coisas interiores. Não confie em ninguém. Você não
sabe o que é melhor para você. Seja forte. Não chore. E quando nos tornamos adultos,
inconscientemente, repetimos esses erros e dizemos: Não tenho nenhum valor,
tudo que eu faço é errado. Como posso ser feliz se tem tanta gente infeliz.
Isso seria egoísmo. Não tenho esse direito. Tenho que ser bonzinho e obedecer
sempre. Não tenho direito de reivindicar nada. Não sei lidar com a dor, a
rejeição, a solidão. Os outros não me deixam ser feliz - Descobrir o nosso valor
e resgatar nossa autoestima são condições indispensáveis para uma mente
saudável. Quando sentimos que temos valor, aprendemos a dar importância a nossa
vida e a cuidar da nossa felicidade. Talvez o mendigo da história acima, apesar
de sua condição de miserabilidade, nos dê um testemunho claro de que nossa
dificuldade em ser feliz, está muito mais ligada à criança perdida dentro de nós, do que com o fato de termos de enfrentar alguns transtornos inevitáveis que a vida nos
impõe. Não se dar o direito de ser feliz está ligado, também, a crença de que
somos seres de segunda classe, conceitos muitas vezes incutidos em nossas
mentes de criança pela religião, que nos relegou o papel de reles pecadores e
nos fez bater no peito proclamando nossa culpa (mea culpa) por algo que nem
sequer compreendíamos e continuamos a não compreender. As coisas que nos trazem
mais prazer estiveram, de certa forma, sempre relacionadas ao pecado. O vazio e
a solidão deixados em nossa infância tendem a nos tornar adultos compulsivos, a
nos jogar no vício, na busca desesperada para preencher esse vazio. E, mesmo
quando reconhecemos nossas mazelas, ajudados pelo conhecimento intelectual
adquirido, nem sempre conseguimos curá-las e continuamos a sabotar nossos
próprios desejos de forma muitas vezes inconsciente. A luta para conquistar coisas e o prazer que
tiramos disso, se dá pelo fato de que estas conquistas, na verdade, são
conquistas internas. São mais o resultado de verdadeiras batalhas que travamos
dentro de nós mesmos em busca da cura psicológica, do que por feitos externos. O
medo de ser feliz tende a ser bem mais forte que o desejo de sê-lo. A cura é
sempre um processo lento, que, muitas vezes, não alcançamos sozinhos. Por isso enfiamos a cara no trabalho e temos
cada vez menos tempo para nós. É uma forma de não termos de ver quem realmente
somos e de não reconhecermos essa criança assustada dentro de nós. Não existem formulas mágicas para curar essas
feridas. Mas, é preciso reconhecer nossa condição humana, de seres que caminham sem ter, no entanto, muita certeza de onde estão pisando. Valorizar a criança interior
é o grande início para se colher dias melhores. Descobrir onde, como e porque
nossas pequenas asas foram cortadas, ajuda a nos tornarmos inteiros
novamente. A felicidade não se esconde
em algum lugar do futuro entre bens de consumo de toda ordem. O mais das vezes, para encontrá-la, só precisamos adotar novamente aquela criança que ficou
perdida lá no passado e ela mesma se encarregará de nos mostrar o caminho.
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